MMDC e a Manifestação de 23 de Maio de 1932
M.M.D.C. é o acrônimo pelo qual se tornou representado os nomes dos mártires do Movimento Constitucionalista de 1932, que culminou no levante denominado como Revolução Constitucionalista, eclodido em 9 de julho daquele ano. As iniciais representam os nomes dos manifestantes paulistas Martins, Miragaia, Dráusio e Camargo, mortos por tropas federais ligadas ao Partido Popular Paulista (PPP), um grupo político-militar sustentáculo do regime de Getúlio Vargas, em uma manifestação ocorrida na noite de 23 de maio de 1932, evento que antecedeu e foi uma das razões para o grande conflito daquele ano. A sigla também representou a organização clandestina que conspirou para o levante e posteriormente coordenou os esforços de guerra, no recrutamento, arrecadação de fundos e recursos, bem como a distribuição desses para os soldados do Exército Constitucionalista.
Atualmente, os restos mortais dos estudantes estão sepultados no mausoléu do Obelisco do Ibirapuera, em São Paulo, e seus nomes estão incluídos no livro de heróis da pátria.
Em 1932, o Brasil vivia um período do regime de Getúlio Vargas em que era governado de forma discricionária, sem uma Constituição Federal que delimitasse os poderes do Presidente da República ou estabelecesse as articulações entre os três poderes. Somando-se a isso, tampouco havia Congresso Nacional, Assembleia legislativa e Câmaras municipais. Além disso, os estados federados perderam grande parte da autonomia que tinham na vigência da Constituição de 1891, pois Vargas nomeava interventores leais ao seu regime e em sua maioria "tenentes" ligados ao Clube 3 de Outubro, que por vezes entravam em atritos com os grupos políticos dos respectivos estados. A situação de São Paulo nesse contexto era uma das mais críticas do país, dado a contínua e crescente insatisfação com a forma com que Vargas lidava politicamente com o estado.
Contrários à ditadura Vargas, a população paulista começou a protestar, o que resultou em uma série de manifestações iniciada por aquela ocorrida na Praça da Sé em 25 de janeiro de 1932, no dia do aniversário da cidade de São Paulo, em que se aglomeraram cerca de 100 mil pessoas. Ao longo dos meses seguintes a insatisfação popular se acentuou.
No dia 23 de maio de 1932, durante outra manifestação, um grupo tentou invadir a sede do Partido Popular Paulista (PPP), ex-Liga Revolucionária, um grupo político-militar encabeçado por Miguel Costa, fundado após a Revolução de 1930 e sustentáculo de apoio no estado ao regime de Getúlio Vargas, cuja sede era na Rua Barão de Itapetininga esquina com a Praça da República, na cidade de São Paulo. Os governistas da organização político-militar, se antecipando à provável invasão, resistiram por meio de armas e granadas tão logo os manifestantes se postaram na frente do edifício. Após a fuzilaria, houve vários feridos e mortos, entre os quais, os nomes das pessoas que deram origem a sigla M.M.D.C:
- Mário Martins de Almeida,
- Euclides Miragaia,
- Dráusio Marcondes de Sousa e
- Antônio Camargo de Andrade.
Os jovens Martins, Miragaia e Camargo pereceram já durante o confronto. O jovem Dráusio, na data com 14 anos, morreu cinco dias depois no hospital de uma peritonite traumática, em virtude dos ferimentos. Um quinto ferido, o jovem Orlando de Oliveira Alvarenga, morreu em 12 de agosto de 1932, após quase três meses internado no mesmo hospital e no quarto ao lado onde antes falecera Dráusio. Por essa razão não teve seu nome associado ao movimento.
O jornal A Gazeta, na edição de 24 de maio de 1932, apresentou detalhes da ocorrência da noite anterior em uma reportagem de capa, conforme os trechos principais:
Primeira página do jornal paulistano A Gazeta de 24 de maio de 1932.
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Um tanto desprevenidos, os que se dirigiam ao P.P.P. logo trataram de forçar a entrada do prédio em que está installada essa agremiação, tentando, ainda escalar a parede principal. Nesse momento, entretanto, foram surprehendidos por violenta descarga de armas de fogo, partida de um dos andares do edifício. Este inesperado ataque poz em pânico os populares, que se dispersaram, espalhando-se pelas adjacências. Mas, refeitos da surpreza, tornaram a concentrar-se promptos a responder aos tiros contra elles disparados. Elegendo as arvores do jardim da praça como trincheiras, os populares servindo-se de seus revólveres, trataram de obter um desforço, rompendo fogo cerrado contra a sede. Os que estavam acoutados nesta também respondiam intensamente com suas armas automáticas. Em poucos minutos o local se transformou em verdadeira praça de guerra. Os que estavam alheios ao conflicto trataram de abrigar-se nas raras casas que conservavam suas portas abertas. Cerca de um quarto de hora decorreu, até que um esquadrão de cavallaria surgiu. O seu commandante estava incumbido de normalizar a situação. Tentativa inútil porque á sua apparição violentíssimo tiro de barragem, feito com fuzis-metralhadora, partiu da sede do P.P.P. Também foi solicitada a presença de bombeiros. Os valentes soldados do fogo equalmente nada puderam fazer, visto que os sitiados descarregaram suas armas contra os milicianos, obrigando-os a retroceder. A medida que o tempo corria, mais e mais se exaltavam os ânimos dos populares que de vez em vez procuravam achegar-se ao prédio em que está situada a sede do P.P.P. Mas por mais esforços que dispendessem, essas tentativas eram repellidas. Finalmente, servindo-se de um bonde que surgira, foram até ás proximidades. A multidão, porém, foi alvo de intensa fuzilaria. Enquanto isso, o serviço de soccorro era feito pelas ambulâncias da Assistencia Publica, que também eram attingidas propositalmente pelos tiros partidos da sede da antiga Legião. Os feridos, após os primeiros curativos de emergência, na sua maioria eram transportados para o hospital da Santa Casa. Vão passando as horas. Nesse intermédio, verifica-se que os sitiados estavam de posse de grande quantidade de munição, porquanto até de granadas de mão se serviam para afastar a multidão. O cerco, todavia, a mais e mais se intensificava. Também do lado da praça da Republica era feito fogo contra os populares. Um deste, foi attingido em cheio por uma granada de mão, tendo morte instantânea. A confusão era horrível e o povo, indignado com a attitude da gente que se escondia no P.P.P. decidira, de qualquer forma, entrar na sede. Os bombeiros chegados ao local, nada puderam fazer pois foram também recebidos a bala, retirando-se logo para regressarem de novo, armados. Até quasi duas horas de hoje era intensa a fuzilaria. Uma ambulância e um carro de bombeiros foram attingidos por granadas. — A Gazeta, 24 de maio de 1932. |
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Logo após o atentado, foi criada a sigla MMDC a partir dos nomes de Martins, Miragaia, Dráusio e Camargo, para representar os mártires da causa Constitucionalista. Essa sigla ao mesmo tempo passou a representar uma organização civil clandestina que inicialmente passou a conspirar para o levante contra a ditadura de Getúlio Vargas. Após eclodido o levante, em 9 de julho de 1932, a organização passou a realizar o recrutamento dos voluntários para os combates, treinamento militar e demais esforços de guerra, além de arrecadar fundos e recursos em prol do conflito. Durante o levante, a organização fazia uma intensa e coordenada campanha por todo o estado de São Paulo para o alistamento voluntário. O levante veio a ser denominado de Revolução Constitucionalista.